Após a sensacional descoberta do Higgs no CERN, é hora de se tentar compreender o que essa partícula representa e quais são as implicações de sua existência. Desde a mais remota antiguidade o homem vem se perguntando se a enorme diversidade encontrada na Natureza poderia ser reduzido a um conjunto de entidades fundamentais. Os gregos antigos, por exemplo, achavam que existiam quatro elementos fundamentais: a terra, o ar, o fogo e a água, e todo o resto seria composto por diferentes proporções desses elementos. Hoje em dia sabemos que toda a matéria que conhecemos diretamente pode ser descrita por moléculas, e que as moléculas são sempre formadas por diferentes combinações de 94 tomos que existem na Natureza. Também sabemos que os átomos não são fundamentais, eles são formados por um núcleo atômico e elétrons. Além disso, os núcleos também não são fundamentais; eles são formados por prótons e nêutrons. Prótons e nêutrons, por sua vez, são formados por quarks. Os quarks e elétrons, até onde sabemos, não possuem estrutura interna e são considerados como elementares. Outras partículas, como os neutrinos, produzidos no Sol ou em reatores nucleares, ou os múons, produzidos pelos raios cósmicos que bombardeiam a Terra, também são partículas elementares. Essas partículas elementares, denominadas genericamente como léptons, formam a matéria conhecida. Elétrons, quarks, neutrinos e múons possuem um número quântico chamado spin cujo valor é 1/2 (em unidades da constante de Planck) e são chamadas de férmions.
Além dessas partículas elementares existem outras partículas que são responsáveis pelas forças de interação entre os férmions. A força eletromagnética que atua entre partículas que possuem carga elétrica, como a força de Coulomb entre os elétrons, é transmitida por uma partícula elementar chamada fóton. A força forte entre os quarks é transportada pelos glúons. Por outro lado, os neutrinos interagem apenas através da força fraca, transmitida pelas partículas W e Z. Essas partículas elementares que transmitem as forças fundamentais da Natureza possuem spin 1 (em unidades da constante de Planck) e são chamadas genericamente de bósons de calibre. Em geral, férmions são partículas com spin semi-inteiro, enquanto bósons são partículas com spin inteiro.
Para descrever como essas partículas interagem entre si e como formam prótons, nêutrons e outras partículas compostas, é necessário construir uma teoria que explique como os bósons que transmitem as forças fundamentais interagem entre si e também com os férmions que formam a matéria conhecida. Essa teoria é conhecida como o Modelo Padrão das Partículas Elementares e foi construída à partir da década de 40 do século passado. Ela foi erigida em partes, primeiro explicando como a força eletromagnética atua, incluindo depois as forças fracas e fortes já na década de 70. Durante esse período, os diversos aceleradores de partículas que eram construídos foram essenciais para confirmar que o Modelo Padrão estava correto. As várias partículas previstas pelo Modelo Padrão, como o bóson Z e o bóson W, foram sendo gradativamente descobertas e apresentavam as propriedades previstas pelo Modelo Padrão, gerando vários prêmios Nobel à medida que as descobertas aconteciam. Faltava ser encontrada apenas uma partícula, o bóson de Higgs.
No Modelo Padrão assumimos que as partículas inicialmente não possuem massa. É claro que isso não corresponde a realidade já que os elétrons e quarks, por exemplo, possuem massa. Na década de 60 do século passado Peter Higgs e outro físicos encontraram uma maneira engenhosa de produzir massa assumindo a existência de uma nova partícula elementar, um bóson de spin zero, que passou a ser conhecido como o bóson de Higgs. Pelo fato de gerar massa para outras partículas o físico Leon Lederman chamou o bóson de Higgs de partícula de Deus num livro de divulgação científica. É claro que a comunidade científica não gostou dessa liberdade literária mas infelizmente o nome se popularizou.
Todas os resultados provindos dos aceleradores nas décadas seguinte eram consistentes com a existência do Higgs. Entretanto, a única maneira de provar sua existência é através da detecção direta de sua presença nos aceleradores. Como a massa do Higgs é muito alta isso requer que o acelerador produza colisões com energias também bastante altas. Foi precisamente isso o que aconteceu no LHC, o Grande Colisor de Hádrons, no CERN. Ele colide prótons com energia suficiente para gerar os bósons de Higgs. Foram necessários mais de 50 anos para que pudéssemos desenvolver a tecnologia necessária para construir o LHC e manipular a enorme quantidade de dados gerados em cada colisão, para finalmente descobrir se o bóson de Higgs, de fato, existe.
Agora é necessário descobrir se a partícula encontrada no CERN possui todas as propriedades previstas pelo Modelo Padrão. Acontece que já sabemos que o Modelo Padrão NÃO é a teoria final das partículas elementares. Os neutrinos do Modelo Padrão, por exemplo, não possuem massa, o que não está de acordo com os resultados experimentais que mostram que os neutrinos possuem massa. Como a massa do neutrino não pode ser gerada pelo Higgs é necessário estender o Modelo Padrão. Também sabemos que nem toda matéria existente no Universo pode ser descrita em termos dos férmions do Modelo Padrão. Existe uma grande quantidade de matéria escura no Universo detectada através de seus efeitos gravitacionais. Finalmente, a força gravitacional, uma das forças fundamentais da Natureza, não está incluída no Modelo Padrão. Tudo isso mostra que o Modelo Padrão não tem a palavra final sobre as partículas elementares e que é necessário ir adiante. O que esperamos é que o LHC produza bósons de Higgs suficientes para possamos estudar suas propriedades e verificar o quanto diferem das previsões do Modelo Padrão para então descobrir como o Modelo Padrão deve ser modificado. Uma ideia promissora é a supersimetria e extensões supersimétricas do modelo padrão tornaram-se bastante populares, Esse é o grande desafio agora.
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