Osvaldo Schilling, do Departamento de Física da UFSC, enviou um texto muito bom para o Boletim da Sociedade Brasileira de Física: A nudez dos reis e a “Ciência” no Brasil. Ele cita o caso de um pesquisador, "dono" de um equipamento sofisticado, e que aparece como colaborador em todos os papers que utilizam o tal equipamento. Obviamento tal pesquisador tornou-se 1A no CNPq devido ao volume de suas publicações e usualmente recusa-se a dar seminários ou discutir seus trabalhos.
É claro que esse não é um caso isolado. Existem outros pesquisadores "produtivos", que participam de trabalhos com um grande número de colaboradores, no Brasil ou no exterior, que conseguem abocanhar um número grande de citações, mas que nunca discutem seus trabalhos ou apresentam seminários. Ou quando o fazem, os problemas da física são abordados de forma superficial ou transformados em problemas de outra natureza. Trata-se de uma prática que parece estar tornando-se tão comum a ponto de merecer os comentários enviados à SBF.
Esse é um desvio sério ao qual as agências financiadoras deveriam estar mais atentas, pois mais cedo ou mais tarde tais "pesquisadores" passarão a ter um papel decisivo sobre a política científica e aí será o desastre final. Porém, fica a pergunta: será que isto já está ocorrendo?
4 comments:
Excelente o texto do prof. Osvaldo Schilling.
E o que ele relata não é mesmo um caso isolado, conheço pelo menos uns dez indivíduos que agem como o tal Sicrano, sem falar que boa parte dos que sobram são capachos dos tais Sicranos, ou seja, ciência efetiva mesmo é feita por poucos, bem poucos.
O prof. Osvaldo cita a Mecânica Quântica, só confirmando o que eu disse em um comentário aqui sobre departamentos de física onde a maioria dos acadêmicos acham pedante um curso de física matemática tipo o do prof. Barata. É, além de experimentais não precisarem saber Mecânica Quântica também não precisam saber Matemática, pior é que a primeira não vive sem a a segunda, e pior ainda é que existem “teóricos” nessa linha de pensamento também.
Daí porque eu chego a ser chato em meus comentários sobre educação, normalmente (não conheço uma só exceção para dizer a verdade) professores com o Sicrano sabem vender bem seu peixe em sala de aula, e mesmo tendo a profundidade de um pires ainda conseguem engabelar vários alunos que ou se tornarão membros do seu clã ou serão seus escravos por uns poucos anos, e pior é que se se oferece algo de qualidade a esses alunos alienados (por exemplo, um curso de Mecânica Quântica de qualidade) eles sentirão repulsa por acharem ou que é exagero ou que é pedantismo e aqui entramos em um ciclo vicioso, é a perpetuação da espécie (ruim), que se consolida com os concursos manipulados. Outro fato bastante interessante sobre os Sicranos é que eles não têm orientados, o que eles possuem são verdadeiras crias (talvez porque o número de tetas seja grande) que dariam inveja as melhores porcas pela quantidade de bacorinhos.
Tal texto também serve para o senhor entender minha revolta quando vejo o Ministro da Educação querendo reinventar a roda através daquelas propostas de avaliação que são praticamente as mesmas que estão em vigor, nada vai mudar, o sistema está todo infiltrado por espécies como o Sicrano, e são espécies assim que terminam ocupando cargos burocráticos e compondo as comissões julgadoras seja lá do que for. Enquanto isso os pesquisadores sérios estão muito ocupados trabalhando, mas pelo menos poderiam em sala de aula chegar a ponto de serem chatos na tentativa de abrir os olhos dos futuros professores pesquisadores, precisa-se falar muito sobre ética em sala de aula, mas para isso é importante se ser ético primeiro. Quer resolver parte do problema? Então, como já disse antes, avaliem os alunos (de pós-graduação e graduação), mas uma avaliação efetiva, não uma provinha qualquer (tipo o ridículo provão), e não só nos fins dos cursos, mas continuamente. Mas aqui penso com meus botões, os Sicranos nunca permitiram algo assim acontecer, muito menos deixariam se avaliar como o senhor propôs, pois eles já passaram a ter um papel decisivo sobre a política científica e educacional! Conheço até um que hoje é Ministro e que, há duas semanas, me contaram como se comportava igual ao Sicrano quando lhe convinha.
Como Krishnamurti falou, isso não é nenhum caso isolado, muito menos para a Física. Trabalhei uma época na Bioquímica da Universidade Federal do Ceará existem muitos 'Sicranos', o pior é que eles são bem generosos com seus bolsistas, nunca esqueci o caso de uma bolsista de graduação com 10 artigos publicados!Infelizmente essa mediocridade abrange quase todas a áreas da ciências.
Um "Sicrano" achou interessante um trabalho meu, discutiu comigo alguns pontos sobre o trabalho, sugeriu algumas figuras, e quando me dei conta ele estava escrevendo o artigo com o nome dele também!!! Embora ele não tenha feito nada no que diz respeito a pesquisa científica discutida no trabalho, se não fosse a sua experiência em persuadir os referees, colocando termos técnicos elegantes, escrevendo um bom inglês, vinculando o trabalho com outras áreas (o que não passava de mera especulação), e também, é claro, se não fosse O PESO DO SEU NOME na comunidade científica, talvez o meu trabalho não teria sido aceito tão facilmente para publicação. (Talvez por isto os jovens pesquisadores sejam tão dependentes dos "Sicranos", pois para a comunidade científica e para concursos públicos, quem não publica não é nada!)
Continuando, graças a este trabalho o "Sicrano" pode viajar pelo mundo apresentando-o em conferências internacionais.
Um tempo depois, o tal "Sicrano", colocou vários alunos para trabalhar em cima do trabalho que se iniciou comigo, e embora sabendo que eu bem poderia colaborar com ele me jogou para escanteio, e hoje, ele é considerado como o "pai" do formalismo desenvolvido por mim!!!
Como não ficar desiludido com tal situação?
Subject: Re: Boletim SBF 006/2006
From: marcus@fis.unb.br
Date: Sat, May 13, 2006 11:44 am
To: sbfisica@sbfisica.org.br
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(resposta endereçada a SBF: 'Cadê a sanidade??')
Prezado Professor Osvaldo Schilling
Parabéns pelo seu artigo, tão oportuno.
Não sei o que lhe inspirou o termo 'kedesaine',
mas bem poderia ser: cadê a sanidade??
Pois insano é exatamente a palavra que me ocorre
para qualificar o sistema de gestão da ciência
brasileira, pelo menos como testemunho do lado
da Física, em 30 anos de carreira.
Seu artigo aborda um aspecto gritante,
que chamarei de Problema 1:
de como o sistema privilegia os 'gerentões'
(quem não conhece exemplos?), ou 'empresários',
verdadeiros 'yuppies' da ciência.
A fragilidade científica de certos figurões
seria tão facilmente detetável, como bem
ressalta o seu artigo:
> A ninguem ocorre chegar a Sicrano e pedir-lhe
> para descrever os trabalhos de que é co-autor.
Então, por esse tipo de verificação não é feita?
Ah.. não vale dizer que seria 'discriminação',
verificar uns e não outros. Afinal, a Receita Federal
também vai atrás (não tanto como deveria, vá lá..)
daqueles que exibem 'evidentes sinais de riqueza'
incompatíveis com.. (whatever..).
Assim, que tal começar com aqueles que lançam
da ordem de 10 papers por ano?
Que tal nomear bancas (devidamente escolhidas
dentro de um rigoroso 'peer system') para
efetivamente julgar o mérito de projetos vultosos?
Outra medida saneadora, seria estabelecer uma
pontuação decrescente, proporcional a 1/N,
para artigos com N colaboradores.
Mas, atenção!! Essa medida teria de ser tomada com
o devido cuidado, para a corda não arrebentar do lado
mais fraco. Há que se evitar a supressão de co-autoria
de estudantes, ou de outros colaboradores politicamente
desfavorecidos. Não tem jeito, urge instalar algum tipo
de 'ombudsman' nesse sistema!
Mas, Prof. Schilling, como disse acima, seu artigo
abordou esse aspecto gritante, o dos 'big bosses',
e o fez muito bem. Entretanto..
Quem me dera as mazelas da nossa má gestão científica
terminassem aí!!!
Há ainda um outro fenômeno, que chamarei de Problema 2,
tomado como natural por muitos, a saber, o da
amplificação do fosso entre os 'ricos' e os 'pobres'.
Engraçado, né? É só tirar as aspas
(que significam ricos e pobres de artigos, alunos,
equipamentos, taxas disso e daquilo, etc), e caimos
num lugar comum da sociologia brasileira.
Mapeamento mais biunívoco, impossível!
Quer dizer, o sistema, praticamente, só prevê auxílio
para os 1A, talvez 2A... isto é, o topo da pirâmide!
Por que não servir também aos mais 'humildes', mesmo
que com fatias mais magrinhas??!!
(ok, ok, há os auxílios a recém-doutores, excessões
que não resolvem nem de longe o problema colocado, certo?).
Teríamos assim, uma política de efetiva integração de
um grande número de doutores ao sistema de produção de saber
e formação, e que hoje se encontram num estado de
quase-marginalidade, um desperdício,
verdadeiro 'brain-drain' interno,
que um país educacionalmente carente como o nosso
não deveria se permitir.
Um efeito particularmente perverso desse estado de coisas
é a concentração de alunos em torno de uns poucos eleitos.
Professores 'orientando' 10, às vezes 15 alunos de mestrado
e doutorado, verdadeiros 'condensados de Bose'!!
Como pode alguém achar (nos comitês de Capes e CNPq)
que uma orientação efetiva pode ser feita nessas bases?
E o 'povo' acha normal (ou têm vergonha de chiar: 'puxa,
mas também, não sou 1A, 2A, ... que vexame...'
-- olhaí a maioria silenciosa!!!).
Afinal, os tais eleitos são, muitas vezes,
professores de reconhecida competência
(veja bem, não confundir com aqueles 'gerentões',
do Problema 1 que mencionei antes).
Em suma, cadê a sanidade??
Um abraço
Marcus B.L. Santos
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Prof. Dr. Marcus B. Lacerda Santos
Instituto de Física
Universidade de Brasília
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