28 February 2006

O mundo quântico é um barato

O Cosmic Variance traz uma descrição muito boa de um efeito quântico bastante interessante em Quantum interrogation. Trata-se de uma ilustração de como voce pode detectar alguma coisa sem ter que olhar diretamente para o objeto! O texto está em inglês mas acho que vale a pena fazer uma versão para que as dificuldades da língua não se misturem com a compreensão do texto. Aí vai o texto que o Sean Carroll escreveu.

O problema é o seguinte: temos uma caixa grande na nossa frente e queremos saber se existe um cachorrinho dormindo dentro da caixa. Como somos bastante caridosos com os animais, é extremamente importante que o cachorrinho não acorde. Além disso, devido à circunstâncias complicadas demais para serem explicadas aqui, temos apenas uma opção ao nosso dispor: a capacidade de passar por um pequeno buraco na caixa um tipo de comida. Se a comida é feita de algo que não interessa ao cachorrinho, como uma salada, não notaremos nenhuma reação. Ele continuará dormindo solenemente, ignorando a comida. Mas se for algo delicioso, como um bife suculento, o cheiro da carne chegará ao cachorrinho que irá acordar e latir frenéticamente.




Parece um beco sem saída. Se colocarmos uma salada não concluíremos nada, pois não temos como distinguir entre um cachorro dormindo e nenhum cachorro dentro da caixa. Se colocarmos o bife saberemos sem dúvida se existe, ou não, um cachorrinho dentro da caixa, pois se ele estiver lá, vai acordar e latir, mas não queremos que isso aconteça.

Felizmente, temos não só muita consideração pelo cachorrinho, mas somos também excelentes físicos experimentais com um domínio muito grande da mecânica quântica. De acordo com a interpretação convencional da mecânica quântica, temos que considerar apenas três pontos cruciais e surpreendentes.

  • Primeiro, objetos podem existir numa superposição das características desse objeto, características estas que podem ser medidas. Por exemplo, se temos um tipo de comida, de acôrdo com a mecânica clássica, ele só pode ser ou uma "salada" ou um "bife". Mas de acôrdo com a mecânica quântica, o estado verdadeiro do tipo de comida pode ser uma combinação, conhecido como a "função de onda". Ela tem a forma (comida) = A (salada) + B (bife), onde A e B são coeficientes numéricos. Isso não significa (como voce pode ter a impressão) de que não estamos seguros de qual tipo de comida existe; na verdade estamos descrevendo uma superposição simultânea das duas possibilidades, salada e bife.


  • A segunda coisa surpreendente é que nunca conseguimos observar a comida em tal superposição; sempre que nós (ou o cachorrinho) observa a comida, encontraremos sempre ou uma salada ou um bife (os autoestados do operador comida, para os entendidos). Os coeficientes numéricos A e B nos dizem qual é a probabilidade de medir uma das alternativas; a chance que temos de observar uma salada é A2, enquanto a chance de observarmos um bife é B2. Óbviamente, devemos ter A2 + B2 = 1, uma vez que a probabilidade total deve ser 1 (pelo menos num mundo em que existe apenas dois tipos de comida, salada e bife, que é o que estamos assumindo por simplicidade).


  • Terceiro, o ato observar a comida muda seu estado de uma vez e para sempre, e passa a ser aquele que é de fato observado. Se olhamos a comida e é uma salada, o estado do tipo de comida é, daí para frente, (comida) = (salada), enquanto que se virmos um bife teremos então (comida) = (bife). Isto é o "colapso da função de onda".


Voce pode parar agora e ler tudo isso novamente. É normal não assimilar tudo de primeira. Porém, isto é tudo o que voce precisa saber sobre mecânica quântica; o resto são equações para dar uma descrição mais precisa.

Vamos agora aplicar tudo isso para descobrir se existe algum cachorrinho na caixa, sem acorda-lo. Suponha que pegamos o prato de comida e que somos capazes de manipular sua função de onda, isto é, somos capazes da efetuar várias operações sobre o estado descrito por (comida) = A (salada) + B (bife). Em particular, imagine que podemos girar a função de onda, sem realmente observa-la. Ao usar esta linguagem, estamos pensando acerca do estado da comida como um vetor num espaço bidimensional cujos eixos são chamados (salada) e (bife) (se esse espaço fosse um plano, os eixos seriam chamados de x e y). As componentes do vetor são simplesmente (A,B). E "girar" tem o significado usual de efetuar uma rotação no vetor no seu espaço bidimensional. Uma rotação de noventa graus, por exemplo, gira (salada) em (bife), e (bife) em -(salada); este sinal de menos está realmente aí, mas não afeta as probabilidades uma vez que elas são dadas pelo quadrado dos coeficientes. Esta operação de rotação do vetor comida, sem observa-lo, é perfeitamente legítima, já que se não sabemos o estado antes da rotação, ainda não sabemos o estado depois da rotação.

O que acontece então? Comece com alguma comida no estado (salada) e o coloque na caixa. Quer exista um cachorrinho ou não dentro da caixa nenhum latido será ouvido pois cachorros não se interessam por saladas. Agora gire o estado de 90 graus, convertendo o estado (salada) no estado (bife). Colocamos na caixa novamente; infelizmente o cachorrinho sente o bife (provavelmente pelo cheiro) e começa a latir. Isso não ajudou muito, pois o cachorrinho acabou acordando.

Imagine agora que começamos com a comida no estado (salada), e giramos de 45 graus ao invés de 90. Temos, então, uma superposição (comida) = A (salada) + A (bife), com os dois coeficiente iguais a um dividido pela raiz de dois (que vale cerca de 0.71; dessa forma, a soma do quadrado dos coeficientes 0.712 + 0.712 = 1, como deve ser). Se fossemos observa-lo (o que não faremos), existiria uma chance de 50% (isto é, 0.712) que seria salada, e uma chance de 50% de que seria bife. Coloque-o agora na caixa. O que acontece? Se não existe nenhum cachorrinho dentro da caixa, nada acontece. Se há um cachorrinho, temos uma chance de 50% de que o cachorrinho encontre uma salada e permaneça dormindo e 50% de chance de que ele encontre um bife e comece a latir. Neste caso, o cachorrinho sentiu a comida (quer seja salada ou bife) e colapsou a função de onda ou no estado puro (salada) ou no estado puro (bife). Logo, se não ouvirmos qualquer latido, ou não existe cachorrinho e o estado está ainda no estado que tem uma superposição de 45 graus, ou existe um cachorrinho na caixa e a comida está no estado puro (salada).

Vamos assumir que não ouvimos nenhum latido. Cuidadosamente, retiramos a comida da caixa, sem observa-la, e giramos o estado de outros 45 graus. Se não há nenhum cachorrinho na caixa, tudo o que fizemos foram duas rotações consecutivas de 45 graus, que é simplesmente uma rotação de 90 graus; pegamos um estado que era puramente (salada) e o giramos num estado que é puramente (bife). Mas se há um cachorrinho, e não escutamos nenhum latido, o estado que sairá da caixa não é mais uma superposição, mas um estado puro (salada). Nossa rotação, portanto, gira esse estado no estado (comida) = 0.71 (salada) + 0.71 (bife). E agora, nós próprios observamos o estado. Se não existe nenhum cachorrinho na caixa, após toda essa manipulação, encontramos um estado puro (bife), e observamos a comida como sendo um bife com probabilidade um. Mas se existe um cachorrinho, mesmo que não escutemos nenhum latido, nossa observação final será de uma chance de (0.71)2 = 0.5 de encontrar que a comida é salada. Logo, se após todo este esforço, encontramos uma salada no final do procedimento, podemos estar seguros de que existe um cachorrinho na caixa e que ele não foi acordado! A existência do cachorrinho afetou o estado apesar de não ter havido nenhuma interação nossa com ele. Isto é chamado de "medida quântica não destrutiva", e é a parte verdadeiramente surpreendente desta história toda.

Mas a coisa pode ficar melhor ainda. Note que se existe um cachorrinho na caixa na história acima, existe uma chance de 50% de que ele comece a latir, apesar de nosso desejo de não perturba-lo. Existe uma maneira de detectar o cachorrinho sem que ele acorde? Voce já deve saber que existe. Comece, novamente, com a comida no estado (salada). Agora gire o estado de apenas 1 grau, ao invés de 45 graus. Isso deixa a comida no estado (comida) = 0.999 (salada) + 0.017 (bife) (porque o coseno de 1 grau é 0.999 e o seno de 1 grau é 0.017). Coloque a comida na caixa. A chance de que o cachorrinho cheire o bife e comece a latir é 0.0172 = 0.0003, um número muito pequeno mesmo. Agora tire a comida da caixa e gire o estado de 1 grau também, sem observa-lo. Coloque-o de volta na caixa e repita o procedimento 90 vêzes. Se não tem nenhum cachorrinho na caixa, tudo o que fizemos foi uma rotação de 90 graus, e a comida termina no estado puro (bife). Se existe um cachorrinho, devemos aceitar que há uma pequena probabilidade de acorda-lo, mas ela é apenas 90 vezes 0.0003, que é menos que 3%. Entretanto, se tem um cachorrinho na caixa e ele não late, quando observamos o estado final há uma chance de mais de 97% de que elá será (salada), um sinal seguro de que há um cachorrinho lá dentro! Portanto, temos cerca de 97% de chance de saber com segurança se existe um cachorrinho lá dentro, sem acorda-lo. É óbvio que este procedimento pode ser melhorado, em princípio, tanto quanto queiramos, rodando o estado por ângulos cada vez menores e colocando a comida na caixa mais vêzes. Este é o "efeito Zeno quântico", batizado com o nome de um filósofo grego que não tinha a menor idéia das dificuldades que estava inventando.

Portanto, através do milagre da mecânica quântica, podemos detectar se existe um cachorrinho numa caixa, sem nunca perturbar seu estado. É claro que existe sempre alguma chance de acorda-lo, mas sendo cuidadosos podemos fazer com que essa probabilidade seja tão pequena quanto queiramos. Tiramos grande vantagem da propriedade mais misteriosa da mecânica quântica, a superposição e o colapso da função de onda. De maneira bastante concreta e real, a mecânica quântica nos permite montar um sistema no qual a existência de alguma característica (em nosso caso, o cachorrinho na caixa), afeta a evolução da função de onda, mesmo no caso em que não temos acesso direto (ou não perturbamos) essa característica.

Substitua agora o "cachorrinho dentro da caixa" por "o resultado de um cálculo é x". Em outras palavras, podemos montar uma experiência de forma que o estado quântico final terá uma certa forma se o cálculo tem uma certa resposta, mesmo que técnicamente não tenha ocorrido nenhum cálculo! Isso foi anunciado na imprensa como "computadores podem calcular a resposta sem fazer realmente nenhum cálculo". Essa é a idéia que está por trás de tudo.

A mecânica quântica é a coisa mais legal já inventada!

27 February 2006

Science and carnival

It is summer, it is hot, and it is carnival time in Brazil. Samba schools in Rio de Janeiro did their presentation yesterday. One of them, Salgueiro, had as a theme: "Microcosmos, what the eyes don't see the hearth doesn't feel". There were people in costumes representing sperms, white and red blood cells, mechanical ants, frankestein, a car with a fertilized egg and even a car of the dead. You can look for them in the pictures. It won't be easy to spot some of them!

Convite à Física

Há dois anos que os alunos do Instituto de Física e de toda a USP contam com o privilégio de poderem assistir aos seminários da série Convite à Física. São palestras dadas por físicos renomados abrangendo os mais variados temas, desde os primórdios da ciência e da física até os mais recentes avanços da física contemporânea. Trata-se de uma oportunidade única de tomar contacto com aspectos da física, e da ciência em geral, que raramente são tratados em sala de aula. Além disso, os seminários são transmitidos ao vivo pela internet e depois disso ficam arquivados, podendo ser acessados, também pela internet, através da Videoteca do Instituto de Física.

Para os calouros será a primeira vez que entrarão em contacto com temas modernos, como teoria de cordas, partículas elementares, cosmologia, caos, supercondutividade, superfluídez, semicondutores, nanotecnologia, plasma, biofísica, computação quântica, e outros tópicos interessantes. E o que é extremamente importante, através de professores que realmente trabalham no assunto do seminário, sabem sobre o que estão falando, e podem tirar as dúvidas que surgirem. Para os alunos do segundo e terceiro ano será a oportunidade de tomarem conhecimento das áreas de pesquisa desenvolvidas no Instituto de Física. Isto é fundamental para que possam decidir o assunto que pretendem escolher para a iniciação científica, e que depois os leverá a pós-graduação. Já para os alunos da licenciatura, futuros professores de física, é a oportunidade única de tomarem contacto com a física moderna, com a física que está sendo desenvolvida nos dias de hoje. Os alunos do segundo grau são extremamente bem informados, quer através de revistas, quer através da internet. É muito comum que perguntem aos seus professores sobre temas que jamais foram abordados no curso de física, tais como buracos negros, matéria escura, o big bang, quarks, lasers, tele-transporte, redes neurais, procura de sistemas planetários, ondas gravitacionais, econofísica, etc.. O Convite à Física dá chance de voce não só satisfazer sua curiosidade pessoal, mas também de se preparar para responder às perguntas dos futuros alunos, e saber onde procurar a informação quando for necessário busca-la. Note que todos os tópicos mencionados acima, e muitos outros, foram abordados nestes dois anos de existência do seminário.

Enfim, o Convite à Física oferece um prato cheio para saciar sua ansia de saber sobre o que se faz em física nos dias de hoje e entrar em contacto com pesquisadores ativos. É curioso que no ano passado surgiram rumores de que os os alunos não deveriam assistir o Convite à Física porque os seminários eram ao nível de pós-graduação e, portanto, incompreensíveis! De fato, a maioria dos assuntos abordados são do nível da pós-graduação mas isso não significa que não sejam inteligíveis. Isto acontece porque as disciplinas da graduação tratam dos fundamentos da física e, com exeção de algumas disciplinas optativas, ensinam a física desenvolvida até 1930, quando a mecânica quântica foi concluída. A física posterior é ensinada nos cursos de pós. Porisso, grande parte dos assuntos abordados no Convite à Física são estudados na pós-graduação, porém, são apresentados de maneira que possam ser compreendidos por um calouro. Afinal, como disse Einstein, "Most of the fundamental ideas of science are essentially simple, and may, as a rule, be expressed in a language comprehensible to everyone". Esse é o grande sucesso do Convite à Física. Vá lá e confira. Não perca esta oportunidade!

17 February 2006

Cotas e bom senso

Enquanto as universidades federais vão adotar o sistema de cotas, a USP vai criar um cursinho para os melhores alunos da rede pública. Essa é uma forma correta de fazer com que mais alunos provenientes de escola públicas tenham acesso ao ensino superior de qualidade. Não é a solução do problema, mas um bom paliativo. Bem melhor que escancarar as portas das universidades federais num ano eleitoral.

16 February 2006

Cotas nas universidades

O govêrno federal está bem próximo de aprovar e implementar as cotas nas universidades federais: em até seis anos, 50% das vagas deverão ser reservadas para alunos provenientes da escola pública. Mais um enorme retrocesso na tão sofrida educação brasileira. Faço minha as palavras de Alexandre Gimarães Vasconcelos.

15 February 2006

Humor nos arxives

Os arxives revolucionaram a forma como a informação científica é divulgada no mundo inteiro. Até o final a década de 80 eram necessários meses até que um preprint chegasse ao Brasil e pudessemos saber o que estavam fazendo no primeiro mundo. Com os arxives a informação chega instantâneamente.

Todo dia os arxives recebem trabalhos que são colocados on-line no dia seguinte. Os autores têm que preencher vários campos como título do trabalho, autores e um campo para comentários,como tamanho do paper, macros, etc. Acho que muita gente não lê esse campo mas muitos autores o aproveitam para fazer comentários, muitos dos quais são até humorísticos. O blog do Quantum Pontiff reuniu alguns dos mais interessantes aqui.

14 February 2006

Olimpíadas do LHC

O LHC será o mais potente acelerador de partículas quando entrar em funcionamento em 2007. Entretanto, a energia que ele irá alcançar não é a única diferença com relação aos aceleradores já existentes. Há outra característica única do LHC.

Para descobrirmos novas partículas não basta construir um acelerador potente, é necessário também equipa-lo com detectores de partículas. Esses detectores são projetados especialmente para isso. A teoria que descreve as partículas elementares, o famoso modêlo padrão, prevê as propriedades que as partículas elementares devem apresentar. Os detectores são então construídos para encontrarem partículas com as propriedades previstas pela teoria. O LHC vai buscar o Higgs, a última das partículas fundamentais do modêlo padrão ainda não descoberta e que é responsável pelo fato de outras partículas possuirem massa. Além disso, o LHC irá medir outras quantidades previstas pelo modêlo padrão. Mas irá também procurar novas partículas não previstas pelo modêlo padrão, como, por exemplo, as partículas supersimétricas. Isso levanta um novo problema. Como será possível, à partir dos dados do LHC, descobrir qual o modêlo apropriado para descrever essas novas partículas? Quais são os indícios relevantes para se descobrir tal modêlo?

Devido a essa situação inusitada, o CERN resolveu lançar as Olimpíadas do CERN: dados fictícios do LHC foram distribuídos para vários grupos teóricos que têm a tarefa de identificar o modêlo apropriado para aquele conjunto de dados. A finalidade é óbvia, começar um treinamento intensivo numa atividade nova para área. Os dados fictícios foram distribuídos já há alguns meses e, via blog do Lubos Motl, o resultado é o seguinte: os estudantes de Harvard conquistaram o primeiro lugar e o grupo de cordas de Princeton o segundo. Para mais detalhes veja LHC olympics: big success.

13 February 2006

Ciência avança no país, mas não gera riqueza

É extremamente interessante a análise feita por Marcelo Billi em Ciência avança no país, mas não gera riqueza. De fato, o Brasil tem aumentado de forma significativa sua produção científica mas tem sido incapaz de transforma-la em inovações tecnológicas ou em aumento de competitividade. O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, aponta corretamente alguns motivos pelo qual isso acontece: a formação de pesquisadores é uma tarefa recente e a maioria dos doutores é encaminhado para as universidades; o empresariado é conservador e não compreende a necessidade de pesquisa e inovação; não existiam ações coordenadas do governo federal para implementar politicas de pesquisa e desenvolvimento.

Há também um outro fator bastante enraizado nas universidades e que talvez seja melhor compreendido através de um episódio pessoal. Durante meu doutorado em Londres, no final da década de 70, tive vários colegas de curso que eram inglêses. Três deles terminaram o doutorado e jamais se dedicaram à pesquisa científica. Um foi trabalhar num banco, outro no serviço secreto inglês e o terceiro numa indústria eletrônica. O que muito me impressionou foi que todos eles iniciaram o doutorado já tendo em vista não trabalhar em universidades. Todos concluiram o doutorado em física, mais precisamente em supersimetria, uma área teórica recém descoberta na época, sem nenhuma aplicação imediata. Obviamente eles não foram contratados pelos seus conhecimentos de supersimetria. Conseguiram emprego pelo fato de terem sido treinados para lidarem com situações inusitadas, serem capazes de desenvolver estratégias para enfrentar condições novas e pela habilidade de gerarem técnicas para trabalhar em terreno inóspito e inexplorado. Os empresários inglêses sabem exatamente onde ir buscar pessoal com esse perfil. No Brasil, infelizmente, poucas pessoas sequer sabem que esse tipo de preparação existe nas universidades. De fato, nem os empresários e nem os alunos estão cientes disso. A pós-graduação é voltada quase que exclusivamente para a formação de pesquisadores que farão carreira universitária. É necessário que tal atitude seja modificada dentro da universidade se quisermos gerar uma contribuição significativa para o crescimento do país. É essencial que tal tipo de preparação seja melhor difundida pois nem todos encontarão emprego nas universidades. Isso não significa que devemos diminuir os padrões de exigência da pós-graduação ou das teses apresentadas. Afinal, não há nada de errado em fazer a pós-graduação em cosmologia para depois trabalhar numa indústria de ponta. E o govêrno deve fazer sua parte, incentivando os empresários a investirem em pesquisa e desenvolvimento.

UPDATE: Para quem quizer outras histórias de doutores em áreas sem aplicação imediata e que foram para a indústria, veja o blog do Daniel Ferrante.

10 February 2006

Ciência versus religião

Ontem o Discovery Channel apresentou o documentário A História de Deus, no qual discute o confronto entre ciência e religião. Peguei o programa pela metade, quando comentavam as descobertas de Galileu que davam suporte à proposta de que é o Sol que está no centro do sistema solar e não a Terra, e da condenação de Galileu pela igreja por contradizer a Bíblia. Passaram então ao grande Cannyon e entrevistaram um guia creacionista que dizia que o Cannyon foi criado pelo dilúvio descrito na Bíblia, e que o mesmo aconteceu há 4 mil anos atrás, contradizendo todos os dados geológicos. Daí foi-se para Londres onde entrevistaram rapidamente Richard Dawkins, apresentado como um cientista ateu. Essa entrevista foi totalmente esteril e não serviu para nada. A próxima parada foi um museu creacionista em Kentucky que apresenta a história segundo a Bíblia. Colocam o homem vivendo junto com os dinossauros e argumentam que isso de fato aconteceu pois Deus criou todos os animais simultaneamente. O museu é dirigido por um ex-funcionário da Universal Studios especialista em maquetes para filmes de ficção. E tudo termina, imaginem onde... no CERN, onde o entrevistador afirma que a física e a religião são similares, pois o princípio de incerteza garante que nunca iremos conhecer a natureza com certeza absoluta enquanto a religião, por sua vez, não pode provar a existência de Deus.

Durante todo tempo o repórter fala da disputa entre religião e ciência dando a entender que os cientistas tomam a iniciativa nessa "guerra", quando na verdade quase sempre são os religiosos que se sentem incomodados por verem seus dogmas serem desmistificados. Enfim, um documentário muito ruím que deixa o telespectador na dúvida, e não afirma categoricamente que a ciência trata do conhecimento da natureza enquanto a religião trata de necessidades de conforto psicológico do ser humano.

09 February 2006

Mais um teste para a teoria de cordas

Um novo teste experimental está sendo proposto para a teoria de cordas. Se o LHC produzir micro-buracos negros então será possível deduzir o número de dimensões extras, de acordo com a reportagem do SLAC SLAC Physicists Develop Test For String Theory, baseado no paper Black holes in many dimensions at the LHC: testing critical string theory. Como sempre, P. Woit tenta "desmoralizar" a proposta, mas a discussão que segue o seu post é muito boa.

Reserva de mercado para doutores negros

Depois da polêmica por conta da criação de cotas para estudantes, agora as universidades e o Ministério da Educação começam a discutir a criação de reserva de vagas para professores negros. É o que afirma a reportagem da Folha Universidade quer cota para professor negro. Novamente prefere-se tratar o sintoma ao invés de se combater a causa da doença.

O sistema de cotas para estudantes não vai resolver o problema da falta de educação das minorias. É necessário investir na melhoria das escolas públicas de primeiro e segundo graus. O sistema de cotas para estudantes tem a vantagem de poder ser revertido se algum dia as escolas públicas melhorarem de qualidade. Já as cotas para ingresso de professores na carreira universitária, além de diminuir a qualidade da instituição, vai causar uma dano permanente pois não há como substituir professores concursados de baixa qualidade por professores mais qualificados. Essa substituição só será efetuada quando o professor de baixa qualidade aposentar-se. Mais um ponto negativo no já combalido sistema educacional público brasileiro e um golpe baixo nos inúmeros doutores desempregados que lutam para se manter qualificados a fim de obterem melhor classificação nos concursos públicos.

08 February 2006

Curso de verão do IFUSP

Todo ano o Instituto de Física da USP promove um Curso de Verão do IFUSP para alunos de Física e afins, durante o período de uma semana (esta semana). Este ano, estou dando duas aulas de cosmologia e os slides já estão disponíveis aqui: Cosmologia.

Road to loop quantum gravity

Christine Dantas has a nice selection of texts for people interested in loop quantum gravity in A basic curriculum for Quantum Gravity. There are introductory books on general relativity, quantum field theory, constrained systems, topology and differential geometry and then the LQG classics. People interested in string theory can also follow the same path and then change when the LQG references start. I think it is missing a book on the Standard Model. Zee's book is not enough for that. Also missing are some references for supersymmetry. LQG followers have little interest on these topics but like it or not we live with the Standard Model and supersymmetry is around the corner.

07 February 2006

Enfim, algo sobre a matéria escura

Há 73 anos atrás a análise de um aglomerado de galáxias mostrou que o movimento de seus componentes não podia ser explicado apenas pela força gravitacional convencional. Era como se faltasse massa no aglomerado e foi necessário postular a existência da matéria escura, um tipo de matéria que pudesse exercer a força gravitacional mas não pudesse emitir radiação porque não era visível nos telescópios. Ao longo dos anos, a evidência da existência da matéria escura foi aumentando mas sem que ninguém conseguisse determinar suas propriedades, além, é claro, de seu efeito gravitacional sobre a matéria convencional. Os dados mais recentes mostram que existe mais matéria escura do que matéria convencional, na proporção de 4% de matéria normal contra 23% de escura (o restante está na forma de energia escura)!

Agora, um time de astronomos conseguiu determinar várias propriedades da matéria escura, Triumph of mind over dark matter. Imaginava-se que a matéria escura fosse "fria", isto é, que se movesse com velocidade pequena. Descobriu-se que ela é "quente" mas não emite radiação! Além disso, sua densidade é mais baixa que a matéria convencional. Mais detalhes também podem ser encontrados aqui: 'Tepid' temperature of dark matter revealed.

05 February 2006

Dimensões extras, cordas e supersimetria

O Cosmic Variance chama a atenção para um artigo no Scientific American que tenta explicar porque a teoria de cordas só pode ser formulada em 10 ou 11 dimensões, Extra dimensional theories are claimed to work in 10 or 11 dimensions. Why these numbers and not, say, 42?. A razão pela qual a supercorda só existe em 10 dimensões é técnica e difícil de ser explicado para um leigo. No artigo acima é feita uma tentativa mas não é convincente quer para um leitor comum, quer para um leitor que tem alguma formação técnica. Na verdade, o artigo tenta explicar porque a supergravidade pode ser formulada em até 11 dimensões e ele não faz qualquer conexão com a teoria de cordas.

Como podemos compreender em mais detalhes tudo isso? A teoria de supergravidade é a teoria da relatividade geral acrescida de supersimetria. Isso significa que além do gráviton, a partícula portadora da força gravitacional com spin 2, a teoria possui um companheiro supersimétrico o gravitino, um férmion com spin 3/2, e outras partículas com spin 1, 1/2 e 0 também podem estar presentes. Como essas partículas não possuem massa o spin é agora chamado de helicidade e as partículas sempre aparecem com dois estados de helicidade (ou de spin), como o fóton que possui um estado de helicidade +1 e outro com helicidade -1. As partículas de helicidade 0 apresentam apenas um estado de helicidade.

A supersimetria transforma bósons em férmions e vice-versa. Para descobrirmos o número máximo de supersimetrias vamos partir com o estado de helicidade +2 (do gráviton) e diminuir a helicidade de 1/2 aplicando a supersimetria. Com isso obtemos sucessivamente helicidades +3/2, +1, +1/2, 0, -1/2, -1, -3/2 e -2. Aqui temos que parar se quizermos estados com helicidade máxima de 2 porque não existe uma formulação consistente para partículas com helicidade maior que 2. Portanto, para ir da helicidade +2 até -2 precisamos de 8 aplicações sucessivas de supersimetria e isso fornece o número máximo de supersimetrias N=8. Essa é a origem desse número. Um cálculo mais detalhado mostra que temos 1 gráviton, 8 gravitinos, 56 partículas de helicidade 1, 28 férmions de helicidade 1/2 e 70 escalares de spin 0.

Até agora trabalhamos em 4 dimensões. Como podemos formular essa teoria de supergravidade em dimensões mais altas? Para isso os estados de helicidade devem ser preservados e podemos nos fixar apenas no setor fermiônico. Em 4 dimensões temos 128 estados de helicidade fermiônicos (16 do gravitino e 112 das partículas de spin 1/2). Se aumentarmos o número de dimensões descobrimos que um gravitino tem 8 estados de helicidade em 5 dimensões, 12 em 6 dimensões, ..., 56 em 10 dimensões, 128 em 11 dimensões e mais do que 128 em dimensões superiores. Porisso, a supergravidade pode existir em no máximo 11 dimensões. Um cálculo mais detalhado mostra que além do gráviton e do gravitino existe também um tensor antisimétrico de terceira ordem em 11 dimensões.

O que isso tem a ver com teoria de cordas? Witten propos que existe uma teoria em 11 dimensões cujo limite de baixas energias é a supergravidade. Essa é a teoria M. O tensor antisimétrico de terceira ordem da supergravidade em 11 dimensões mostra que essa teoria contém um membrana, a famosa M-brana da teoria M. Portanto, não existem cordas fundamentais em 11 dimensões, apenas membranas. Vamos agora reduzir a supergravidade para 10 dimensões. A teoria de supergravidade tem o gráviton, 2 gravitinos, 1 campo escalar, um campo vetorial, 1 tensor antisimétrico de terceira ordem e outro de segunda ordem. O tensor antisimétrico de segunda ordem mostra que existem cordas em 10 dimensões, a supercorda. Essa é uma explicação bastante indireta para as 10 dimensões da teoria de cordas além de ser um pouco técnica. E como vimos a supersimetria é essencial.

O DI ataca a NASA

Como todos sabem, o DI (design inteligente ou planejamento inteligente) é uma tentativa de grupos religiosos, principalmente evangélicos da extrema direita, de fazer com que as crenças religiosas sejam ensinadas em pé de igualdade com a ciência. Querem, por exemplo, que a história da criação do homem por Deus seja ensinada junto com a teoria da evolução de Darwin, como se fossem explicações alternativas para o aparecimento do homem durante o processo evolutivo. Isso aconteceu numa escola americana e vários pais de alunos entraram na justiça contra a escola. O juíz deu ganho de causa aos pais e agora religião deve ser ensinada como uma crença e a ciência como a explicação dos fenomenos naturais.

Infelizmente descobriu-se que o DI está atacando um importante órgão de pesquisa científica, nada mais nada menos que a própria NASA. O New York Times afirma que um representante da presidência da república americana na NASA está enviando e-mails para os funcionários exigindo que sempre que houver uma referência ao Big Bang em qualque documento, a palavra teoria deve ser usada. Ele afirma que o Big Bang não é um fato provado mas apenas uma opinião! O texto em inglês é o seguinte:

The Big Bang is “not proven fact; it is opinion,” Mr. Deutsch wrote, adding, “It is not NASA’s place, nor should it be to make a declaration such as this about the existence of the universe that discounts intelligent design by a creator.”

It continued: “This is more than a science issue, it is a religious issue. And I would hate to think that young people would only be getting one-half of this debate from NASA. That would mean we had failed to properly educate the very people who rely on us for factual information the most.”


Há comentários em vários blogs. Voce pode procurar aqui.

É assustador o que está acontecendo nos EUA. As charges do profeta Maomé publicadas por um jornal dinamarquês fez com que a maioria dos govêrnos europeus se manifestassem a favor da liberdade de imprensa. As únicas exeções foram Reino Unido e USA que disseram que devem existir limites para a liberdade de opinião! As perspectivas para os EUA são muito negras, pois além de estarem se tornando um estado militar, dentro e fora de suas fronteiras, parece haver um movimento para suprimir a liberdade de opinião e tornar a religião uma política oficial. Um retrocesso.

02 February 2006

Blogs na Física

Os blogs oferecem um meio de discussão único e estão se tornando uma ferramenta extremamente importante para quem faz pesquisa. É uma forma de participar de discussões com pessoas ativas na sua área sem que seja necessário viajar. É muito superior a uma troca de e-mails pois a organização dos posts impede que coisas importantes sejam deletadas acidentalmente ou que seu inbox fique cheio demais. Muitas vezes voce fica sabendo das coisas que são discutidas mas não são publicadas, como se estivessemos num coffee break de alguma instituição renomada. Essa nova forma de troca de informações está se tornando tão importante que apareceu um artigo no Physics World de fevereiro: Blogs add a new dimension to physics (o título não tem nada com dimensões extras das supercordas !).

Em tempo, encontrei um outro artigo elogiando os blogs, desta vez pelos matemáticos, Exploring the 'Blogosphere'.

01 February 2006

Prof. Paulo Leal Ferreira

Iniciei o meu mestrado sob a orientação do prof. Paulo e fiquei muito satisfeito. Ele era um entusiasta da física de partículas. Sua morte no final de dezembro é uma grande perda. Ontem o prof. Salmeron escreveu sobre as contribuições do prof. Paulo em A grandeza de Paulo Leal Ferreira. No blog fo IFT também há uma homenagem "Quando a gente gosta da física as coisas ficam mais claras".