14 March 2006

Dois anos de "not even wrong"

O blog de Peter Woit, Not Even Wrong, completa dois anos. Seu principal objetivo é fazer críticas à teoria de cordas. Deve ser dito que Peter é um matemático da Columbia U. e não trabalha em teoria de cordas. Suas críticas, portanto, não são quanto aos aspectos técnicos da teoria, mas sim quanto ao fato da área ter 30 anos de idade e não ter produzido nenhum resultado que tivesse tido comprovação experimental. Daí suas frequentes afirmações de que a teoria não pode ser testada e, portanto, não é ciência. Ele até publicou um livro sobre o assunto em 2005. Eu, particularmente, considero que tal raciocínio é bastante forçado. Supersimetria, por exemplo, também tem cerca de 30 anos de idade e ainda não foi descoberta. Entretanto, isso não é motivo para não estudar suas consequências. Afinal, é necessário conhecer seus efeitos para saber se ela existe ou não. E isso tem sido feito ao longo de todos esses anos e espera-se que a supersimetria seja descoberta (ou não) no LHC em 2007 ou 2008.

O post comemorativo Two Years Later, traz comentários sobre as duas últimas grandes ondas em cordas, a correspondência AdS/CFT e o landscape, e a falta de novidades nos últimos anos. De fato, a correspondência nasceu em 1998 mas toda a história do landscape é muito mais recente, de 2003, o que não justifica as críticas de que há um marasmo na área. Além disso, a correspondência continua sendo um dos tópicos mais quentes ao longo destes anos.

Mais recentemente, Peter envolveu-se numa gigantesca discussão envolvendo os trackbacks. Já há algum tempo é possível fazer comentários sobre os papers publicados nos arXives e depois fazer um link entre o paper e o comentário, o chamado trackback. Acontece que os gerentes dos arXives não aceitam comentários de qualquer um. E o Peter está incluído entre eles; seus comentários sobre cordas não são aceitos. Isso gerou uma enorme discussão sobre a necessidade e a utilidade dos trackbacks nos arXives e podem ser seguidos à partir daqui e daqui, para terem a visão dos dois lados.

Acho que é muito interessante tentar compreender porque muita gente trabalha numa área que ainda não teve qualquer comprovação experimental. Como todos sabem, a relatividade geral não é renormalizável; não é possível fazer qualquer cálculo quântico nessa teoria. A teoria de cordas, por sua vez, permite o cálculo de amplitudes envolvendo grávitons. Ela é uma teoria de gravitação quântica no regime perturbativo. De fato, é a única teoria de gravitação quântica conhecida. Nem a loop quantum gravity permite fazer cálculos perturbativos. Como as ondas gravitacionais ainda não foram descobertas, amplitudes envolvendo grávitons estão longe de fornecer um teste experimental para a teoria. De fato, espera-se que a gravitação quântica seja importante no estudo de buracos negros e do big bang. Mas aí, devido aos fortes campos gravitacionais envolvidos, não podemos usar a teoria perturbativa, é necessário incluir efeitos não perturbativos e ainda não temos uma teoria de cordas na qual tais efeitos possam ser incorporados de forma clara e sistemática. Branas e a teoria M são tentativas de explorar efeitos não perturbativos em teoria de cordas.

Outro motivo para estudar cordas é que podemos calcular a entropia de certos tipos de buracos negros. Não se trata de cálculos termodinâmicos (como aqueles feitos por Bekenstein e Hawking), mas de cálculos quânticos envolvendo branas. É a primeira derivação da entropia de buracos negros utilizando-se a mecânica quântica. Isso é realmente notável. Alguns pesquisadores de loop quantum gravity dizem que podem fazer o mesmo mas há um parâmetro que deve ser fixado para ser obtido a concordância. Não existe tal liberdade em cordas.

A correspondência AdS/CFT estabele uma dualidade entre uma teoria de cordas no espaço de anti-De Sitter (AdS) em 5 dimensões e uma teoria de gauge supersimétrica em 4 dimensões. Podemos calcular funções de correlação da teoria de gauge através de cálculos numa teoria de gravitação em AdS. Inclusive, o que é muito importante, no regime de acoplamento forte da teoria de gauge, obtendo-se resultados que não podem ser conseguidos em teoria de perturbação. Dessa forma, foram calculadas algumas funções de correlação no regime de acoplamento forte utilizando-se a correspondência. A seguir, essas mesmas funções de correlação foram calculadas diretamente na teoria de gauge, sem utilizar a correspondência, e o resultado é que elas coincidem! É bastante surpreendente que possamos calcular o mesmo objeto numa teoria de gauge e numa teoria de gravitação.

Poderia dar outros exemplos, mas acho que isso é suficiente para explicar a excitação que toma conta do pessoal que trabalha em cordas. A onda mais recente, o landscape, procura identificar vácuos da teoria de cordas que se pareçam com o universo que habitamos. Argumentos antrópicos são utilizados, o que gera um descontentamento geral. Apesar da falta de evidência experimental, os resultados teóricos são surpreendentes e geram a expectativa de que a teoria de cordas seja realmente uma teoria física. Se o LHC encontrar supersimetria ou encontrar dimensões extras, isso será apenas evidência circunstancial da teoria de cordas, já que ela necessita de supersimetria e de dimensões extras. Mas ainda não há uma previsão que seja específica da teoria de cordas, algo que se encontrado no LHC, só possa ser explicado por cordas e branas. Mas existe muita gente trabalhando para descobrir algum efeito desse tipo da teoria de cordas. Vamos aguardar e participar dessa aventura!

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