26 March 2006

Educação e criminalidade

No domingo passado assisti uma parte do "Fantástico" em que o rapper MV Bill apresentou um pedaço de seu documentário sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. É chocante ver as imagens e ouvir as declarações de crianças e adolescentes que vivem no meio dos traficantes. Não conhecem e não têm como conhecer outro tipo de vida. E fica patente o que a ausência da família e da educação produz no ser humano.

Da mesma forma que os políticos tradicionais manipulam seus redutos eleitorais para obterem votos, os traficante utilizam-se da população de favelados para manterem seu domínio. E da mesma forma como o baixo clero dos políticos é dominado pela elite retrógrada que nunca aparece na midia, os traficantes servem a senhores cujas identidades estão sempre ocultas.

Tudo isso deixa uma sensação de vazio e de que nada pode ser feito. O mesmo sentimento que temos com a política depois do PT, de que a corrupção não pode ser detida. E do programa do "Fantástico", de que os traficantes vieram para ficar. Porisso é importante manter o sentimento de indignação, quer com políticos corruptos, quer com traficantes que dominam toda uma população. Quase toda a midia e, sem dúvida, a elite dominante, querem que o sentimento de indignação desapareça e que aceitemos tudo isso passivamente e querem que percamos a esperança de que essa situação possa mudar. É essencial que todos se sintam indignados, não importa quantas vezes isso tenha que ser dito.

Felizmente existem algumas poucas vozes dissonantes. Num artigo bastante interessante na Folha, Ser traficante é sinal de inteligência? Talvez., Gilberto Dimenstein faz uma análise bastante interessante. O Colégio Objetivo selecionou 11 estudantes da rêde municipal para premia-los com uma bolsa de estudos e ajuda de custo para estudar. Tratam-se de alunos com aptidões acima da média. E exatamente como o Objetivo selecionou essas pessoas, o tráfico também faz o mesmo. Vai atrás dos mais inteligentes para manter a coisa toda funcionando. É importante frisar que a análise do Dimenstein também vale para o sistema político. Afinal, voces devem sempre se lembrar que os gatunos mais inteligentes são os políticos e seus chefes, pois fazem as leis necessárias para tornar legal qualquer falcatrua que lhes proporcionem lucro. Tornam o ilegal legal! Lembram-se das privatizações?

Porisso tudo é necessário investir pesadamente em educação. É a única maneira de criarmos cidadões conscientes e com poder de mudar a situação atual. E é exatamente por causa disso que a elite não deixa que o investimento em educação cresça. Mesmo quando isso consta da Constituição.

Voltando ao programa do "Fantástico", lembrei-me dos documentários de alta qualidade da BBC que assistia em Londres, quase todos com mais de uma hora de duração. O documentário sobre o tráfico teve uma hora, fugindo ao padrão global de fazer edições horríveis distorcendo o conteúdo, para prender a atenção do telespectador por três minutos. Provavelmente foi uma escorregadela da Globo que provavelmente não voltará a se repetir. Nesse sentido há uma entrevista muito boa na Folha do global Lima Duarte falando mal de merchandising na TV, da Globo, do SBT e do Lula. Provavelmente seu contrato global não foi renovado!

1 comment:

Anonymous said...

Estava com uma dúvida danada se o senhor iria comentar sobre o tal documentário aqui. Sinceramente, não vi nada no tal comentário que já não soubesse, morei um ano no Rio enquanto fazia meu curso de formação de sargento e acompanhei aquilo tudo bem de perto, afinal de onde será que vêem os soldados recrutas dos quartéis do Rio? Da favela. Quem se impressionou com esse documentário ou vive em outro mundo ou não quer acreditar que a situação está gravíssima há tempos.
Primeiro, quem alimenta a tráfico consumindo drogas?, pois, como é óbvio, a favela não se sustenta sozinha, se fosse assim o problema seria facilmente resolvido. Segundo, a formação que nossos professores estão recebendo nas universidades públicas é suficiente, em todos os sentidos, para terem coragem e idealismo de saírem à luta para mudar essa situação? Sinceramente acho que não. Veja que não espero uma mudança de cima pra baixo, se os professores, sejam universitários ou do ensino médio e fundamental forem esperar por melhores salários nada mudará nunca. É óbvio que é necessário investir pesadamente no ensino público, principalmente no fundamental e médio, fico até zangado em ver pessoas esclarecidas dizendo (e só dizendo mesmo) o óbvio ululante, mais óbvio ainda é que esse investimento nunca acontecerá se a iniciativa de mudança não partir de baixo. Tenho um amigo que ensina dentro de uma favela aqui no Recife e faz um bom trabalho, muito em breve (estou aguardando ser chamado pelo estado, pois fui aprovado em concurso) estarei fazendo o mesmo (já sabendo dos perigos, prefiro correr perigo e fazer algo de efetivo pelas pessoas a ser um babaca almofadinha a vida toda), pois são essas as pessoas que realmente precisam de educação. Favelados são pessoas como quaisquer outras que simplesmente querem uma oportunidade e que darão muito mais valor a tal oportunidade que os privilegiados. Em escolas particulares não se pode fazer um trabalho de conscientização, acho que não preciso explicar o porquê, ou preciso? Está aí porque sempre falo de humanizar a educação, quando falo isso não estou falando de fórmulas mágicas para facilitar a aprendizagem de assuntos técnicos inerentes a cada ciência, apesar de que nesse ponto, com muita boa vontade e diálogo entre as partes (professores e professores, professores e aluno, etc.), muito pode ser feito, mas estou falando mesmo é do que trata o texto sobre interdisciplinaridade do prof. Fleming e do que o educador Paulo Freire propõe em seu livro Pedagogia da Autonomia (e em muitos outros, os quais espero que sejam lidos pelo senhor o mais brevemente possível), continuo insistindo que educação não é a formação de robôs. Paulo Freire criou uma técnica de alfabetização (muito parecida com a usada pelo filósofo Ludwig Wittgenstein, no começo do século XX), mas seus ensinamentos não se resumiram a essa técnica, seus ensinamentos se aplicam a educação em geral, quem ler seus livros vê isso facilmente, ele simplesmente chama todos os que se aventuram a ensinar para uma luta por um mundo melhor através da educação, luta mesmo, não só boas intenções.
Sinceramente não acho que os professores universitários ganhem mal para o que fazem como professore, pelo menos a maioria deles, o que acho é que tem muita gente ganhado bem mais que os professores universitários sem terem trabalho nem méritos suficientes para tanto. Sinceramente cortaria as bolsas de pesquisas de todos os professores universitários e trocaria tal incentivo por verbas para compra de material relacionado aos respectivos projetos de pesquisa, tudo devidamente declarado e fiscalizado, talvez assim acabassem as brigas internas que existem nos departamentos e as publicações em massa sem qualidade alguma, e o melhor é que com isso, quem sabe, os acadêmicos não se tocassem de vez que são os principais responsáveis por modificar a situação que aí está, através de um projeto sério e de longo prazo; só haverá mudança na base da ideologia mesmo. Não citei as instituições privadas, mas elas direta ou indiretamente são um subproduto das instituições públicas, ou seja, os seus acadêmicos foram em grande parte formados em instituições públicas.
Sobre os cursinhos pré-vestibulares: são invenção do cão para ganhar mais dinheiro, simplesmente mostram como o ensino público e privado estão uma porcaria há muito tempo. Deviam ser só um paliativo para aqueles poucos que não conseguissem serem aprovados em um vestibular depois de no mínimo onze anos de ensino (público ou privado), mas a regra é exatamente a oposta, a maioria das pessoas que são aprovadas nos vestibulares passou por algum cursinho. Disso se conclui, sem dúvida alguma, que o ensino privado não passa de um treinamento intensivo em decoreba para aprovação no vestibular e nada mais (daí eu não precisar explicar o supracitado sobre o ensino privado), e a formação do ser humano que se ferre.
Na UFPE existem cinco cursinhos gratuitos destinados a alunos do ensino público, um promovido pelo CCEN e CCB (destinado àqueles que pretendem, a princípio, cursar alguma licenciatura), um promovido pelo CTG, outro promovido pelo CAC, outro pelo CCS e outro promovido pelo CCJ, onde os professores são os alunos da universidade.
O estado promove também um cursinho chamado “Rumo a Universidade” onde os alunos passam por uma pré-seleção e recebem uma bolsa de R$ 50,00 reais para estudarem (na sala de aula, puts) nos sábados e domingos, para isso há também uma seleção de pessoal para lecionar, entre professores da própria rede estadual e de alunos que estão cursando alguma licenciatura, Obviamente que se trata de uma compra de votos com dinheiro público, mas quem sabe salve a alma de alguém.
Todas essas iniciativas podem até surtir alguns raríssimos bons frutos, mas como é de praxe, pelo menos nas ciências exatas, de nada adiantará que esse pessoal entre na universidade, já que a retenção é enorme mesmo entre os alunos “bem treinados” pela iniciativa privada. A situação só melhorará quando os professores universitários se tornarem de que precisam mudar suas formas de agir, ou seja, quando resolverem de uma vez por todas descerem do pedestal e se tornarem educadores!
Também não é surpreendente que as outras áreas de formação não tenham o mesmo problema de retenção, é só se analisar a fundo a formação dos profissionais em pedagogia, medicina, direito, economia, etc., para se vê que a qualidade é muito baixa, mesmo nas instituições públicas. É meio chato citar o óbvio, mas não se faz nada com seriedade e com amor neste país, com raríssimas exceções.
Quanto às cotas: cotas sim, sejam raciais ou por pobreza, mas de nada adiantará cotas sem uma mudança no ensino dentro das universidades. Quem sabe esse sistema de cotas não forcem os professores universitários a mudarem de atitude quanto ao ensino por pura pressão das massas, se é que o senhor me entende. Sou branco (quem não me conhece pelo nome, no meio da rua, me chama de “galego”) e acho que a maldita elite tem uma dívida sem tamanho com os negros e índios, nem seria preciso lembrar, não é? Então proponho deixarmos de ser hipócritas e partimos para a ação. Lembre-se que as cotas é uma medida paliativa assim como os cursinhos (gratuitos ou não) também são, pois quem tem fome tem pressa, não é?
A comparação, mesmo que bem de leve, entre as cotas e algo que tenha sido feito na Alemanha nazista foi no mínimo de muito mau gosto.
Existe um projeto muito bonito criado pelo prof. Ademir Sartim e colaboradores do DMAT-UFES, no qual o vestibular se dá da seguinte maneira: uma massa de alunos bem maior que o número de vagas (no caso de lá, do curso de matemática) passa por uma pré-seleção e estuda um ano (cursando duas disciplinas por período) na universidade, sem necessariamente se aluno dela, daí o aluno conhece o curso e vê se é isso mesmo que quer para sua vida, no final do ano os mais bem colocados nas provas (dentro do número de vagas disponíveis) ingressam como alunos da universidade. Pasme que isso vem dando certo a mais de cinco anos e a retenção entre os alunos do bacharelado e da licenciatura é ínfima, e os mesmos cursam várias disciplinas em comum, todos na mesma sala. Diga-se de passagem, que ao assistir a palestra sobre o projeto, que o prof. Sartim ministrou aqui na UFPE, percebi que se trata de um projeto que valoriza acima de tudo o humano, como já deve ter dado para perceber; também pela maneira de falar, o prof. Sartim se mostrou uma pessoa extremante sensível ao aos problemas do mundo.
O mesmo projeto está no primeiro ano de implantação aqui no CCEN-UFPE (o DF foi o único a se recusar entra no projeto, talvez por achar que está muito bem, puts), mas para funcionar continua dependendo da humanização que falo tanto, torço muito para que dê certo, mesmo conhecendo os acadêmicos do centro em questão.
Resumindo: alguma coisa está sendo feita, muita coisa ainda pode ser feita, mas para que algo funcione precisa haver harmonia entre quatro ingredientes básicos a vida: trabalho sério e despretensioso, humildade, humanidade e muito, muito amor pelo ser humano.

PS: o artigo do Gilberto Dimenstein só está disponível para privilegiados assinantes do UOL.